Impressões da viagem

Ivan Mattos



Berlim, um lapso no tempo
A primeira impressão do acanhado aeroporto de Berlim logo se dissipa ao percorrer as grandes avenidas que levam ao centro nervoso do turismo e da história da capital da Alemanha. Tudo o que se ouve falar de Berlim resta pouco diante da grandiosidade e da carga emocional contida nesta cidade que já foi tantas, que já teve tantos matizes quanto os das luzes que coloriram os principais prédios e monumentos berlinenses na abertura do Festival das Luzes. Pode-se abrir qualquer elipse de tempo aqui e mergulhar em que período histórico se desejar. O atual cosmopolitismo de Berlim contrasta a cada esquina com lembranças que independem de raças ou crenças, pertencem à humanidade. Uma simples escultura de um muro naufragando em um espelho de águas faz cessar toda e qualquer consideração que se possa trazer ainda daquele pequeno aeroporto. E são inúmeras as referências que perpassam a todo instante pela cabeça dos viajantes, com mais ou menos bagagem cultural. A maioridade da queda do muro que separou a cidade no pós-guerra se eleva em suas marcas e resquícios espalhados pela nova Berlim que surge reconstruída em 2010. Repleta de museus, obras primas, largas avenidas, catedrais, shoppings centers, bares, restaurantes e hotéis de luxo, Berlim parece respirar aliviada depois de tantas divisões.

Vazios que falam
Antiga, moderna, reconstruída, em ruínas, emblemática, separada ou reunificada, Berlim pode e deve ser vista sob diversos ângulos diferentes. Há opções para qualquer desejo. Quem quiser conhecer a história da formação do povo germânico pode se dirigir ao Deutsches Historisches Museum, na Unter den Linden e acompanhar a mostra que está em exibição através de pinturas e objetos que falam por si e cobrem toda a história de um povo fascinante. Quer ver arte no mais puro conceito? Basta percorrer a ilha dos museus e escolher o seu favorito. Há opções para todos os gostos. Do busto de Nefertiti a obras de Lucas Cranach, Albert Dürer, Caspar Friedrich. O memorial na Bebelplatz lembra a impressionante queima de livros pelos oficiais nazistas em 1933. Uma janela vazia no chão abre o pensamento para os 20 mil exemplares incinerados. Aliás, aqui os vazios, por vezes, falam bem mais do que palavras. O vazio da Casa Desaparecida, do local onde foi o bunker do suicídio de Adolf Hitler e alguns de seus próximos, do memorial do holocausto, do que há e do que não há no polêmico edifício de Libeskind para o Museu Judaico, na demarcação do muro no chão. Nos vazios que sucessivas guerras e perseguições deixaram.

A face da modernidade
Também há o surto de modernidade da Torre de Televisão, da Alexander Platz, da amplidão da Potsdamer Platz, da Kurfurstendamm e suas exuberantes grifes internacionais, a intervenção do arquiteto chinês Ieoh Ming Peng para a Zeughaus, o imenso Sony Center, a cúpula do Reichstag, a moderníssima Chancelaria Federal, a nova Estação Ferroviária Central, toda envidraçada. A noite dos contrastes, do extinto punk, gótico, neopsicodélico, pseudo-eletro-virtual qualquer coisa que ainda será inventada por uma civilização habituada a se reinventar. E há as soluções impensáveis para algumas perdas. Como a cúpula do Reichstag, totalmente destuída por incêndio em 1933, logo após os nazistas terem assumido o poder. Hoje a cúpula de vidro contrasta com o neoclassicismo do imponente edifício.

Hundertwasser-Haus
Um dos locais mais inusitados da elegante Viena com seus museus, palácios e prédios históricos, é a Hundertwasser-Haus construída pelo programa social de habitação popular de Viena segundo o projeto do pintor vienense Friedensreich Hundertwasser entre 1983/85. Trata-se de uma obra arrojada, lembrando a poesia de Gaudí com suas construções criativas que mexem com as necessidades psicológicas do homem em constante interação com o seu ambiente. A divertida construção, multicolorida, desperta o lado lúdico de todos nós, lembrando uma grande brincadeira arquitetônica cheia de pedras coloridas, vidros, curvas, pilares, lajotas, escadas sinuosas, balcões, torres, terraços, jardins supensos, chaminés e uma harmônica desarmonia de formas. Na frente, o Hundertwasser Village abriga múltiplas lojas de souvenires e o Bar de Mármore, tudo construído no mesmo espírito de pedrinhas coloridas em forma de mosaicos e formas sinuosas. A cada tempo a sua arte, a cada arte a sua liberdade Com essa frase no frontão da casa da Secessão, em Viena, entra-se em um dos mais fascinantes universos da arte vienense. A Casa da Secessão construída entre 1897/98 como uma sala de exposições, é um projeto de Josef Olbrich. Situado em uma larga avenida da capital austríaca este imponente casarão branco é um marco da arte moderna no apagar das luzes do século XIX. Lá dentro uma das salas abriga um tesouro inestimável: o Friso Beethoven, de Gustav Klimt, pintado segundo uma interpretação da nona sinfonia de Beethoven. A pintura, um afresco no alto da parede, junto ao teto, deslumbra e impressiona pela ousadia, pelo dourado, pelas formas, pela estranheza que causa e comove. Ver uma obra de Klimt é sempre um prazer, uma experiência indescritível. Mas o Friso Beethoven se situa em um patamar de excelencia comparável a poucas coisas na história da arte.

Sans Souci
Residência de descanso de Frederico II, "o Grande", rei da Prússia, Sans Souci é composto de um andar apenas e foi erguido para o seu descanso e refúgio. "Sem preocupação" seria a forma como o monarca gostaria de viver ali, inclusive longe da mulher e outros familiares. A obra do arquiteto Georg von Knobelsdorff em estilo rococó prussiano impressiona pela suntuosidade da decoração. Antes da construção do palácio, no entanto, ele mandou construir ali um pequeno mausoléu onde repousa hoje em dia. A curiosidade é que em seu túmulo, no chão, pode-se ver sempre algumas batatas, pois foi através dele que o tubérculo começou a ser plantado na Alemanha. Uma sugestão: dispense pelo menos uns 40 minutos para passear pelos jardins do palácio que escondem paisagens bucólicas e surpreendentes.

A Catedral de Santo Estevão
Erguida entre os séculos XII e XVI, esta catedral nasceu no estilo românico e foi sendo modificada ao longo de sua história até chegar ao que ela é hoje gótico flamboyant. Localizada no centro de Viena, está cercada de um variado comércio que transformou suas ruas adjacentes em um formigueiro humano. Ainda assim a catedral se destaca em sua grandiosidade e elegância. No século XII sofreu um incêncio e foi o imperador Rodolfo IV quem a reformou no estilo gótico. A torre principal tem 137 metros. O teto externo é uma influência da Côrte da Borgonha, muito influente na época, e é constituído de telhas vitrificadas, o que a diferencia das outras catedrais que conhecemos. Um dos destaques visíveis logo na entrada é o púlpito de Anton Pilgram, todo rendilhado em pedra, em uma escultura deslumbrante e cheia de significados. Ao lado do altar-mor, um grande túmulo se destaca com o monumental sarcófago do imperador Frederico III, feito de mármore vermelho de Salzburgo completamente entalhado, que atesta o fausto e a importância dos Habsburgo na Àustria. A nave central gótica com altares barrocos complementa a visão grandiosa da catedral que está sempre lotada de turistas. Vale a pena visitar.

Praga, um lugar mágico parado no tempo
Um dia em Praga e já se ve como a cidade vive e vibra em torno de um comércio variado, e de uma vida cultural diversificada, imagens estas que não saem da lembrança. Seu castelo, a Ponte Carlos, os museus, a praça do relógio, as ruelas lotadas de gente, tudo concorre para tornar Praga um destino a ser perseguido. O rio Vitava, que divide a cidade com ares medievais, a região de Mala Strana, o bairro judeu, a cidade velha e a cidade nova abrigam quase tudo que um turista exigente pode querer. A capital da República Tcheca vem sendo esculpida por imperadores, artistas e grupos religiosos há muitos séculos. O Portão da Pólvora data do século XI quando era uma das treze entradas da cidade velha. Perder-se por suas ruas estreitas é um convite ao prazer. Mercados, lojas, bancas de frutas, de souvenires e réplicas de armaduras. Há de tudo no variado comércio. E quando os pés não aguentarem mais, as casas de massagens tailandesas são um bálsamo que pode ser encontrado no caminho de seu hotel. Vale a pena.

Museu Sissi
Distante da imagem solar e hollywoodiana que se tem da imperatriz Sissi encarnada na série cinematográfica por Romy Schneider, o Museu Sissi, inserido no Hofburg, em Viena, mergulha na alma atormentada e sofrida da imperatriz austríaca que foi sem dúvida uma das figuras mais controversas da realeza mundial. Muito antes dos escândalos das princesas de Mônaco, da rebeldia sorrateira de Diana Spencer ou dos amores prosaicos da princesa Anne, Sissi carimbava seu passaporte para a eternidade com uma vida em nada acomodada entre os rígidos padrões austríacos. Escolhida por Franz Joseph por legítimo amor, a menina criada livre, leve e solta, não se adaptou à rigidez palaciana exigida por um austero protocolo real. Perseguida por uma sogra austera, engessada pelas obrigações da corte, a saída da imperatriz foi recorrer aos exercícios físicos em uma época que talvez este preparo fosse restrito a uma minoria masculina. Sissi corria léguas, andava a cavalo durante horas, caminhava, fazia barras, argolas, natação. Uma triatleta meio deslocada no tempo e no espaço de rendas e frufrus, imensos chapéus e normas palacianas das mais tensas. Completava o programa de saúde submetendo-se a dietas que a espremiam em uma silhueta inacreditavelmente exígua e muito caldo de carne sem gordura. As formas perfeitas contrastavam com um sorriso tão enigmático quanto o da Mona Lisa. Poucos viram os dentes da beldade que entraram para baixo do pano da história como escuros e estragados. Mesmo assim, toda a paixão de Franz Joseph e do povo austríaco continua reverenciada no Museu Sissi dedicado à sua memorábilia que vai do sol, montanhas e flores, na mesma proporção e intensidade que se submeteu à rigidez do luto pela perda de filhos, saúde e liberdade. Os curadores dos museus da Áustria, no entanto, mostram que todo o luxo, ostentação e riqueza que estavam à sua disposição nos suntuosos palácios não serviam em nada para alegrar a alma nebulosa da jovem imperatriz que encantou o mundo com sua beleza e charme, sem nunca mostrar os dentes. Para ninguém.

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