Tradição de família e do povo gaúcho

Empresa mobiliária renomada da capital gaúcha, Irmão Jamardo é homenageada na série Contornos

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Detalhe da cadeira - Foto: Fernando Bueno

Na Espanha, mais especificamente em Galiza, no século XIX, morava um navegador: Manuel Jamardo, que viveu durante anos nos mares. Casou-se, não se sabe se na terra natal ou em uma de suas viagens, com Dominga Aboi, e tiveram seis filhos: Ramón, José Maria, Bernardo, Isabel, Adela e Arturo, que nasceram em diferentes lugares: cinco em Buenos Aires e o mais novo em Galiza.

Ao deixar a Galiza, a família estabeleceu-se, primeiramente, em Buenos Aires, não se sabendo exatamente a data. E entre os anos de 1901 e 1902, mais uma mudança para os Jamardo: a capital do Rio Grande do Sul. Quem nos contou essa história foi Manuel Jamardo Salvaterra, neto de José Maria, bisneto de Manuel. A história do navegante espanhol se encontra com a do Governo do Rio Grande do Sul em 1814, quando o Estado encomenda móveis para a sua empresa. Mas isso é avançar no tempo.

O casal e cinco filhos — Isabel manteve-se na Argentina — veio para Porto Alegre onde, em 1903, fundou uma empresa de fabricação de móveis e pianos, e a importação de artigos de decoração, a Manuel Jamardo e Filhos. A empresa se localizava no centro de Porto Alegre, na Sete de Setembro, entre as quadras das atuais Caldas Júnior e João Manuel. A decisão do porquê se trabalhar com mobiliário não está clara, mas Manuel Salvaterra conta que “todos na Galiza são marceneiros. Todas as casas são bem cuidadas, com entalhes, percebe-se o cuidado”.

Naquela época, construir um móvel era uma tarefa complexa, afirma a professora especialista em mobiliário, Tânia Bian. Precisava de uma escultura, para a estrutura do móvel, o estofamento e, ainda, o entalhe dos detalhes. Para ela, as empresas gaúchas faziam uma releitura dos móveis de estilo tradicional e contava com grandes artistas para seus desenhos.

A empresa passou a ter prestígio na cidade e, em 25 de maio de 1914, recebeu encomendas para fornecer o mobiliário dos Correios e Telégrafos, já tendo contrato com a Secretaria da Fazenda e com a Biblioteca Pública. Dois anos depois, o patriarca da família adoece, e às 2h da manhã de 11 de setembro de 1916, ele faleceu.

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Trecho do jornal A Federação. - Foto: A Federação

Em janeiro do ano seguinte, a empresa Jamardo passa por alterações e os quatro filhos se tornam sócios. E é com os filhos que a história da empresa se une com a do Palácio.

Jamardo Irmãos

Ao falarmos da empresa Jamardo Irmãos, os nomes que aparecem são de Bernardo e Arturo. Salvaterra Jamardo acredita ser pela divisão de trabalhos que havia na fábrica: Ramón era o responsável pela administração financeira, José Maria pela organização interna da fábrica, Bernardo cuidava da parte de vendas e o contato com o público externo, já Arturo era o que Salvaterra definiu como “o designer da época”.

A história da empresa tem dois momentos cruciais e trágicos: dois incêndios destruíram as fábricas e os mobiliários que levavam o nome Jamardo. O primeiro ocorreu em 1918. Era 9 de janeiro, e de acordo com Salvaterra, as fábricas, que contavam com 110 funcionários, estavam trabalhando até as 23h para dar conta das encomendas. “Logo após o encerramento, veio a tragédia: um guarda de rua ouviu um estampido, correu e viu o fogo”, relatou Salvaterra em documento onde conta a história da família. Segundo o descendente da família, os bombeiros e a polícia vieram, mas nada conseguiu ser salvo. Em 21 de dezembro do mesmo ano, a Junta Comercial de Porto Alegre decretou a falência da Jamardo Filhos e Cia.

Em junho de 1919, os irmãos voltam à sociedade. José, que havia tentado fundar uma empresa sozinho pouco tempo antes, acolhe os irmãos e, juntos, montam uma nova fábrica, que iniciou suas operações entre setembro e outubro do mesmo ano. Logo em 1920, o Estado voltou a fazer encomendas e já foram registrados pagamentos por móveis produzidos para a Biblioteca Pública. A nova sede da empresa localizava-se em São Pedro, 496.

E foi para essa nova empresa que o Estado encomendou os móveis de trabalho para a Ala Residencial, como escrivaninhas — ou birôs, como eram chamados — cadeiras, sofás e até guarda-roupas. A Ala Residencial também contou com móveis da famosa empresa. O governador Getúlio Vargas, ao decidir morar no Palácio, encomendou móveis da empresa imobiliária. O seu escritório está em exibição virtual neste site, que conta com curadoria da professora e especialista em história da arquitetura, mobiliário e moda, Sílvia Aline Rodrigues. Ela afirma que as características predominantes dos móveis é rococó português no estilo Dom João V, acrescentando alguns motivos decorativos do renascentista estilo Manuelino, contemporâneo ao reinado de D. Manuel I (1469–1521).

A Jamardo Irmãos continuou, reconstruiu e manteve a fama na cidade, mas em 1935, outra tragédia: mais um incêndio, em que perdeu o prédio e toda a produção. Após o segundo incêndio, os irmãos decidiram não trabalhar mais juntos no ramo mobiliário. Ramón, José e Bernardo mantiveram-se em Porto Alegre, já Arturo foi para o Espírito Santo.

Parte da família Jamardo ainda mora em Porto Alegre, mas também se espalhou pelo Brasil e pelo mundo, assim como os famosos móveis da empresa, que até hoje adornam diversas casas, palácios, ambientes e, inclusive, o Piratini.





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